- Dia da Caridade
Sob as aparências de uma escada foi mostrado ao santo patriarca aquela vida unida com a virtude, para que ele aprendesse, e ensinasse aos outros, que não pode subir até Deus senão aquele que tenha as vistas sempre voltadas para algo mais alto, e não se contente com as coisas que já fez ou em permanecer nas que já alcançou, considerando uma perda não buscar coisas mais altas; a altura das bem aventuranças umas para com as outras faz com que aqueles que já receberam algumas delas possam se aproximar de Deus, que é verdadeiramente feliz, constituído e estabelecido acima de toda bem aventurança.
Uma doutrina essencialmente idêntica à contida nas bem aventuranças foi ensinada por Hugo de S. Vitor sob a forma de uma sucessão de três dias que distinguem o curso da vida espiritual. Ela está contida no final do VII do Didascalicon, e ressalta de modo especial alguns dos pontos principais sobre os quais quisemos conduzir a exposição precedente; é também fundamento para entender o que se seguirá mais adiante: Temos, diz Hugo de S. Vitor, três dias interiores pelos quais a nossa alma se ilumina.
Três são os dias da luz invisível, pelos quais se distingue o curso interior da vida espiritual. O primeiro dia é o temor, o segundo a verdade, o terceiro é a caridade. O primeiro dia é o dia do temor; vem depois o outro dia, o dia da verdade. E dissemos que vem, não que o sucede, porque o anterior não cessa; o mesmo ocorre com o terceiro dia, com o dia da caridade, pois vindo este, aos anteriores não expulsa. Os homens compreendem, em primeiro lugar, terem caído sob o jugo do pecado quando começam a temer a Deus como juiz por reconhecerem suas iniquidades. Temê-lo já é conhecê-lo, porque de maneira alguma poderiam temê-lo se dEle nada conhecessem.
Este conhecimento já é alguma luz; já é dia, mas não é dia claro, escurecido que está pelas trevas do pecado. Vem então o dia da verdade, que ilumina a claridade do dia anterior, e não tira o temor, mas o muda para melhor. Mas esta claridade não será ainda pleno dia até que a caridade não se acrescente à verdade. De fato, foi a própria verdade que disse: Muito tenho ainda para vos dizer, mas não o poderíeis compreender. Quando vier o Espírito da verdade, vos ensinará toda a verdade.
Assim, o dia da verdade clarifica o dia do temor; o dia da caridade clarifica o dia do temor e o dia da verdade; até que a caridade se torne perfeita e com isto toda a verdade seja perfeitamente manifestada
Observa-se neste texto como Hugo de S. Vitor afirma, em primeiro lugar, que os três dias da vida interior, que correspondem ao conjunto das sete bem aventuranças, são também de natureza cumulativa; não se extinguem uns aos outros em sua sucessão; ao contrário, se acumulam, o segundo aperfeiçoando o primeiro, em vez de extingui-lo, e o terceiro aperfeiçoando os dois primeiros, em vez de extingui-los. Mas neste texto Hugo de S. Vitor distingue também dois modos de conhecimento, que se seguem ao dia do temor.Ao primeiro ele chama apenas de dia da verdade; diz, porém, que a claridade deste dia ainda não é perfeita.
Para que a claridade seja plena, diz Hugo, a caridade tem que se acrescentar à verdade. Isto não significa que os que viviam no dia da verdade não fossem movidos pela caridade; ao contrário, já os que viviam no dia do temor possuíam a caridade, pois viviam na graça; com mais razão aqueles que vivem o dia da verdade vivem também na caridade. Se, portanto, Hugo afirma que à verdade deve-se acrescentar a caridade, isto significa que ele está se referindo a uma caridade mais eminente do que as anteriores, tão eminente que se torna a nota manifestamente distintiva do terceiro dia, ao qual Hugo chama de dia do amor.
Somente quando a caridade se torna perfeita, continua Hugo, é que toda a verdade é perfeitamente manifestada. Hugo de S. Vitor, portanto, está descrevendo uma forma mais perfeita de conhecimento que é alcançada no terceiro e último dia da vida espiritual, a qual provém da caridade. Esta caridade, segundo ele, provém do Espírito Santo, pois Hugo cita a passagem de São João na qual o Cristo diz que, quando viesse o Espírito da verdade, ensinaria toda a verdade. Este Espírito da verdade, diz Hugo, vem no terceiro dia, o dia do amor.
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